sábado, 8 de agosto de 2009

O Saraiva "abria as tripas" ao RACAL

Podia não haver nada que comer... mas, o cantil com água, a espingarda G3 e o rádio RACAL não podiam faltar.
O RACAL TR_28, era um rádio emissor receptor desenvolvido pelos sul africanos em 1968. O rádio já era transistorizado, consomia menos energia.
Funcionava por canais. Tinha um comutador de canais que tem as "frequências gravadas" em "cristais". Os chamados "cristais" são umas peças que eram soldadas no circuito do rádio e que por vezes se "queimavam".
O furriel miliciano radio_montador, Saraiva, era muito "engenhocas" e competente. Ficava "stressado" quando tinha de esperar um mês ou mais pela volta dos equipamentos Racal enviados para reparação em Nampula.

Não sei a que propósito, encontrei o Saraiva numa esplanada de um café em Nampula (devíamos estar os dois de viagem de regresso de férias), e ele disse-me:
Vem comigo ali à oficina de radiotécnica.
Lá fomos à dita oficina, onde ele pediu ao sargento para lhe dispensar uns "cristais" para os nossos rádios Racal do BCaç. 2914.
Resposta: Ó nosso furriel não conhece as NEPs?
Não faz parte da sua competência... mexer no Racal lá no mato onde nem sequer ferramenta tem. Ora bem, em termos teóricos, estava certo, aquilo já era um equipamento de alta tecnologia... e podia ser queimado por um "habilidoso" qualquer que se atrevesse a mexer no aparato.
A tropa manda desenrascar.... o Saraiva foi falar com um irmão do alferes Baltazar da CCaç. 2706 (o meu amigo João)... e acabou por trazer para Mecula uma mão cheia de CRISTAIS, condensadores e resistências.
Ficou a promessa ao amigo João... se algum rádio se queimasse na oficina de Mecula depressa "morria" numa mina e depois se enviavam os estilhaços e o respectivo auto de destruição para a oficina de Nampula!

Acordo feito, material recolhido e lá vai o Saraiva para Mecula.
Uma coisa é certa: Nunca mais houve rádios, avariados em Mecula, em lista de espera! Com um simples multímetro e chaves de parafusos, alicate e ferro de soldar, o Saraiva abria as tripas ao Racal !

O post de hoje é dedicado ao Saraiva, que teve a coragem de se marimbar para as NEPs e resolver os problemas lá na frente de combate! Arranjou todos os rádios, que tanto jeito fizeram para salvar algumas vidas.

Um abraço para o Saraiva. Como ainda tenho boa memória ao fim de quarenta anos lembrei-me desta história. Embora sendo verídica, posso ter acrescentado um ponto e por essa razão vou chamar-lhe um conto.
Um conto de:
Ernesto Fernandes
Ex-furriel miliciano sapador do BCaç. 2914

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