domingo, 17 de janeiro de 2010

Caçadas em África - Cap. III


Acabados de chegar a Mecula, com poucos dias de mato, os sapadores foram encarregados de reconstruir um pontão a meia distância entre o aldeamento e o cruzamento do Candulo; seriam cerca de cinco quilómetros do quartel até aquela "ponte " que passaria a ser baptizada de "Ponte dos Leões" !

A história que vos vou contar é de arrepiar... quase nem dá para acreditar... principalmente por quem já fez safaris ou quem teve simplesmente o privilégio de ler os escritos de José Pardal (Cambaco), Hugo Seia, Manuel Lencastre, Roque Pinho e de tantos outros caçadores que tem escrito sobre caça grossa em África e sobre as armas e os calibres mais recomendados.

Só a "santa" ignorância e a inexperiência e muita irresponsabilidade à mistura da tropa checa acabada de chegar à selva africana é que podem justificar o que aconteceu em Mecula.
Na nossa preparação militar nunca nos foi dito com bastante veemência que atirar sobre caça grossa representava um grande perigo; tanto mais agora andar aos tiros nos CINCO GRANDES - (elefante, rinoceronte, búfalo, leão e leopardo).
Para nós militares a G3 resolvia todas as situações, desde atirar com bala a galinhas de mato... até abrir fogo sobre leões. Contavam-se muitas histórias de caça e da sua abundância que tanto jeito dava para a nossa alimentação !

A meio da viagem, depararam com um leão deitado no meio da picada. Pararam o unimog para não atropelar o bicho e ficaram a aguardar que ele se levantasse.
Acontece que seguia na viatura um moçambicano do aldeamento, a quem tinham dado boleia, este ao ver o leão a três metros de distância decide ferrar-lhe um tiro de caçadeira monotiro calibre doze e com chumbo escumilha ( chumbo para matar pardais) !
O bicho levantou-se assustado com o estrondo, sacudiu o rabo como que a varrer o chumbo... e em passo de corrida marchou para o mato. A leoa que estava escondida no capim apareceu e correu atrás do leão.
Por mais que o furriel gritasse a ordenar o cessar fogo, não conseguiu evitar que dois ou três militares disparassem sobre os leões.
O mais caricato da cena de caça é ver um soldado de machado em punho correndo atrás dos leões à boa maneira do monteiro que faz o "remate" nas montarias ao javali.
Quem estava melhor colocado, para atirar ao leão, era o furriel que seguia na cabine junto do condutor e tinha a cabeça do leão a poucos metros, podendo até apoiar a arma no párabrisas e desferrar um tiro nos olhos do rei da selva.
Segundo dizem teve "cagaço" de falhar ou a calma suficiente para não atirar. Quem precipitou o foguetório foi o moçambicano que trazia o dito canhangulo !

Afugentados os leões, retomaram a marcha e um quilómetro adiante chegavam ao local de trabalho.
Porra, diz o Júlio tractorista, não é todos os dias que se pode ver um casal de leões na picada de Mecula ! Já viram as fotos que podemos fazer no quartel para o pessoal mandar para as nossas namoradas?
Ó meu furriel, com tanta euforia de ver os leões, perdemos o machado.
Temos que voltar atrás ir procurar o machado e dar mais uma vista de olhos pois o bicho está morto de certeza com tanto chumbo que levou ! Ninguém mais os travou, lá fora eles no tractor Massey Fergunson à procura dos leões.
Quando andavam à procura do machado e aparece o coronel Dinis e apanha os dois caçadores de leões, fica "passado" com tanta irresponsabilidade da tropa checa.
O Cmdt Dinis chega à ponte, desata aos gritos e chama o furriel e promete-lhe oito dias de prisão (bem merecidos) pela irresponsabilidade de ter deixado andar o pessoal sózinho a caçar leões; para além do perigo de aparecer o IN e apanhá-los à mão... o leão ferido podia atacar e matá-los.
Dois dias depois só foi perdoado porque o capitão Dias de Carvalho convenceu o Coronel da "inocência" destes rapazes checas e sua inexperiência por terem acabado de chegar.

Nada aconteceu de grave porque provávelmente ninguém acertou no leão.
Podia ter sido uma tragédia se o animal "CARREGA", podia ter havido ali naquela triste cena de caça os primeiros mortos do batalhão.
Checa era pior que turra!
Quem quiser saber quem foi o furriel, perguntem ao Júlio tractorista de Braga !

Um conto de:
Ernesto Penedones
Ex- Furriel Miliciano Sapador do BCaç. 2914

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