quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Um dia no cinema de Mecula


Estava a sala cheia. O refeitório do rancho geral de Mecula era o palco escolhido. Na primeira plateia as caras conhecidas do "jet set" local e alguns camaradas do Candulo e Chiulézi em viagem por Mecula.
As senhoras dos oficiais que viviam em Mecula vestiam-se a rigor como quem vai ao S. Carlos em Lisboa. Uma ida ao cinema era dia de festa no aquartelamento.
Por todas estas razões e com as expectativas tão altas nada podia falhar !
Os filmes eram de 16 mm e tinham o som gravado numa faixa da fita. A leitura do som era feita por uma célula fotoeléctrica.
Esta explicação técnica só faz sentido para os leitores do blogue perceberem a cena que vos vou contar.
Iniciada a sessão de cinema, a multidão começa a fica "quente" de euforia... e de repente funde-se a lâmpada que ilumina o som. Passamos a cinema mudo !
Faz-se logo o primeiro intervalo... apesar dos protestos ... o fotocine consegue disfarçar a avaria.
E agora?
Não há lâmpada de reserva... a última tinha fundido a semana passada, a irregularidade da corrente dos geradores provocava muitas avarias no material.
Sem que ninguém se aperceba do sucedido... o fotocine chama um soldado moçambicano conhecido pelo 120 e ordena-lhe que segure a lanterna com mão junto à máquina de projecção do filme para iluminar a leitura da célula !
O rapaz começa a ficar com o braço cansado, treme, treme com a mão e a lanterna de vez em quando foge de sitio exacto. A lanterna começa a ficar fraca.
O fotocine tenta disfarçar a avaria... coloca o som no máximo... e com aqueles tremeliques o som vai ficando rouco e tremido... mas o 120 tem de aguentar até ao fim.
O rapaz sua as estopinhas... quer ir embora, e suspira: furriel, não dá para aguentar... tenho a mão muito cansada ! Aguenta que é serviço... no final do filme vais beber uma bazuca !
E lá teve que aguentar se quis dar de beber à dor !
Terminada a sessão o fotocine respira fundo, tinha acabado de passar o cabo das tormentas.. dirige-se à multidão pedindo "desculpa" em nome dos artistas a quem tinha pedido que falassem mais alto (para resolveram um problema de som) e pelo seu esforço acabaram por ficar roucos !
A maior parte dos presentes nem deu por nada... o som era horrível... mas quem está na guerra e vai ao cinema diverte-se com tudo.
Nas transmissões em directo os profissionais das televisões dizem que fazem umas habilidades... mas comparados com estes fotocines da guerra colonial... nada, nada que se compare !
Eram assim as sessões de cinema em terras de Mecula. Um dia o fotocine vai contar outras situações ainda mais caricatas.
Uma vez iniciada uma sessão de cinema, jamais algo a podia parar... só um ataque à morteirada era capaz de desmobilizar o pessoal !
Vocês os visitantes da Serra Mecula sabem do que estou a falar!

A foto é uma contribuição de José Saraiva
Um conto de:
Ernesto P. Fernandes
Ex- Furriel Mil. Sapador do BCaç. 2914

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