sábado, 6 de fevereiro de 2010

O livro do Batalhão de Caçadores 1906

O livro do Batalhão era uma publicação oficial, da antiga Região Militar de Moçambique (durante a guerra colonial), a que cada unidade militar tinha direito para relatar toda a sua actividade operacional durante a comissão de serviço.
Nem todas as unidades militares se deram ao trabalho de escrever a sua própria história.
Vai daí a razão da surpresa, de alguns de nós, nunca imaginamos um dia poder vir a ler tão requintados documentos históricos ! 
A linguagem utilizada está de acordo com os padrões oficiais e contexto histórico da época, (já passaram quarenta anos), estamos a apresentar-vos um documento histórico, e a História nunca se apaga, respeita-se !
No post de hoje vamos publicar a mensagem do Comandante do BCaç. 1906, que diz o seguinte:


Missão cumprida
Foi em 13 de Janeiro de 1967 que, pela primeira vez, formou completo o Batalhão de Caçadores n.° 1906, na parada do Glorioso B. I. n." 15, em TOMAR, a fim de lhe ser entregue o Guião da Unidade. Nessa altura, ao fazer uma breve resenha da História do Regimento, cuja bandeira é a mais condecorada do Exército Português, chamei-vos a atenção para a sua divisa: NON NOBIS..., que pode ser traduzida - NÃO POR NÓS, MAS PARA UMA MAIOR GLORIA DE PORTUGAL-e exaltei-vos para que vos mantivésseis sempre «FIRMES E CONSTANTES» e honrásseis as nobres tradições do Glorioso Exército a que todos temos a honra de pertencer.
Passados dois anos depois que deixastes a Capital do nosso querido e lindo PAIS, e fazendo um exame de consciência podemos concluir, sem receio de sermos desmentidos, que os Homens do Batalhão de Caçadores n.° 1906 souberam bem cumprir a sua missão, honraram a divisa do seu guião e glorificaram o Exército e PORTUGAL.
Sempre «FIRMES E CONSTANTES» quer nas terras do NIASSA, quer a Norte do Rio Zambeze, vós perseguistes com valor e audácia os bandoleiros, embora para isso alguns tivessem de verter o seu sangue.
Muito suor e algumas lágrimas foram derramadas na abertura ou reparação de itinerários e obras de arte ou construindo edifícios, na edificação de Aldeamentos e abertura de poços e em muitos outros serviços que decisivamente contribuíram para o bem estar das tropas e o progresso social das Populações.
Muito sofrestes nas picadas e matagais da Grandiosa, rica, bela e bem Portuguesa Província de Moçambique e que agora melhor ficastes a conhecer e a amar. Muitos episódios bem gravados nos vossos corações serão recordados peia vida fora e será sempre com orgulho e altivez que falareis do Ultramar, que com o vosso esforço e o vosso sacrifício ajudastes a manter para que os portugueses de todas as raças, cor e religião, e falando a mesma língua, possam viver em paz e harmonia. Agora sabeis por experiência própria quão grande, rico e belo é PORTUGAL e, altiva e orgulhosamente, podeis dizer aos comodistas, egoístas e derrotistas e àqueles que maldosamente vos insinuem o abandono do Ultramar que eles não são dignos de viver sob a Bandeira das Quinas.
Nesta hora em que cada um regressa aos seus lares, quer continuando a envergar a farda, quer dedicando-se a profissões civis, desejo afirmar-vos que foi uma grande honra para mim ter-vos comandado e peco-vos que, pela vida fora, não esqueçais as lições de boa camaradagem e são convívio tido nos 24 meses passados nesta Província, que chama por todos os bons Portugueses.
(Janeiro de 1969)
O COMANDANTE DO BCaç. 1906
JOSÉ GUARDADO MOREIRA
Tenente Coronel


Agradecemos ao nosso amigo, ex-furriel miliciano atirador, Álvaro Ferreira da CCaç. 1653 do BCaç. 1906, a sua contribuição para o blogue ao emprestar-nos o seu livro do Batalhão.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

O estaleiro da Ponte LUGENDA - Capítulo I

Irlando Tavares, ex-furriel miliciano,  desenhador  da Companhia de Engenharia 521, com sede em Vila Cabral (Lichinga), participou na montagem do estaleiro das obras da ponte e na  criação do Destacamento do Lugenda; mais tarde designado por destacamento de Mussoma. A propósito desta obra e da actividade da Companhia de Engenharia no Niassa, disse o seguinte: 
Partimos de Lisboa em 23 de Novembro de 1963 e fomos para Vila Cabral onde foi sempre a sede da Companhia. Os primeiros destacamentos foram o LUGENDA, Valadim, Luatize, Messengueese e outros. Claro que a obra mais importante era a Ponte do Lugenda, pela sua dimensão e dificuldade de execução. 
No que respeita à ponte do Lugenda, levamos algum tempo a iniciar as obras, foi preciso transportar todo o equipamento pesado e fazer a preparação técnica relacionada com a sua localização.
Depois a montagem do estaleiro, a exploração da pedreira que forneceu a matéria prima.
Além dos militares que trabalharam nas obras, recrutamos cerca de 100 moçambicanos dos aldeamentos vizinhos para os trabalhos das fundações. Pela nossa parte fizemos 11 pilares da ponte ! A companhia de engenharia que nos rendeu continuou os trabalhos até à chegada de uma empresa civil que colocou o tabuleiro (tarefa demasiado complexa para os escassos meios da Engenharia Militar).

 
O primeiro edifício construído no Lugenda pela engenharia militar

Irlando da Costa Tavares, ex-furriel miliciano,  desenhador  da Companhia de Engenharia 521, disse o seguinte:
"Estive no Lugenda, em 1965, mas cheguei a Vila Cabral em 1963. O ano de 1964 foi passado na sala de projecto em Vila Cabral. No entanto, foram enviados vários destacamentos para o mato onde se instalaram em acampamentos, entre eles o do Lugenda. Havia muito trabalho a fazer antes de dar inicio à obra da ponte. Procurar a pedreira, construir o acampamento (quartel), tratar da segurança. Nesta altura não tivemos nenhuma companhia de infantaria a dar-nos protecção.
Eu próprio em 1965 trabalhei nas obras da ponte e ainda participei na abertura das trincheiras de defesa do Destacamento.
Fomos os primeiros a chegar, o Destacamento do Lugenda foi "fundado" pela Companhia de Engenharia 521."

Esta belíssima construção, muito "ecológica", foi obra dos engenheiros da ponte.


  
 Quando a sede pedia uma "bazuca" Laurentina !










Quando um barbeiro, vinha ao Lugenda, era dia de festa !


Os engenheiros da ponte a caminho do Destacamento de Lugenda




Sendo a região muito rica em caça grossa,  (não é por acaso, que começa  ali a Reserva do Niassa), os engenheiros da ponte tinham um "talho" bem fornecido. Nem era preciso ir à loja do Carlindo (o tal "lendário" Cantineiro estava naquela data estabelecido no Lugenda).



Esta foto foi tirada no ano de 1971, no tempo da Companhia Caçadores 2707, nessa data o destacamento era apelidado de Mussoma; finalmente estiveram lá os militares da CART.3558 - (BArt.3887) até ao ano de 1974.  A história deste Destacamento está directamente ligada à construção e à defesa da ponte do Lugenda. 


Está assim descrita a história deste Destacamento desde a sua criação até ao fechar das portas da guerra !

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

A história do monumento de Mecula


Azenha Pires, ex-furriel miliciano da CCaç. 1653 do Batalhão de Caçadores 1906, disse:

Monumento - É mais que certo que foi a CART.1595 (a Companhia que fomos render) a construí-lo.
Quando chegámos a Mecula em 8 de Março de 1967, já estava pronto ou em fase de acabamento, pois foi inaugurado com pompa e circunstância no dia 28 de Maio desse mesmo ano, pelo então Tenente Coronel Viriato Melo Egídio que desempenhava o cargo de Governador do Distrito do Niassa.



   
Azenha Pires, com a farda nº1, no dia da festa da inauguração do Monumento de Mecula.



No tempo do BCaç. 2836 foi restaurado.

Em Julho de 1969, o senhor Bispo de Vila Cabral reza missa no Monumento de Mecula.



Em 1971, é ponto de partida para a "expedição" ao alto da Serra Mecula.

No ano de 2003 já não tinha os símbolos cristãos (cruzes).


 No ano de 2009, estava pintado com as cores da bandeira de Moçambique.
 
Falta dizer quem foi o autor do projecto, quantos sacos de cimento gastaram, quem foram os trolhas... deixo isso ao cuidado dos comentadores deste blogue !
Está aberta a discussão !

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Pontes em Madeira e Ferro

 
Esta foto foi recolhida na internet, é referente a uma ponte construída para os lados de  (???) no Norte de Moçambique (??), certamente por uma Companhia de Engenharia Militar.
Esta ponte já obedecia a cálculos de resistência ! Podem ver-se as quatro vigas de perfis metálicos em cada rodado, e um tabuleiro em tábuas de madeira serrada. Quer dizer que já podia suportar grandes cargas sem problema.

 
Cada tábua era fixada às vigas por intermédio de umas abraçadeiras de aço. Esta ponte pré-fabricada podia ser construída no quartel (estaleiro) e montada em obra, por isso dizemos que era uma ponte "hig_tech", feita por quem sabia do ofício !

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Obras de arte em madeira

 
No ano 2009 esta ponte estava transitável numa estrada de acesso a Marrupa !
Uma ponte de madeira, autêntica obra de arte de construção artesanal de pontes,  utilizando os recursos naturais disponíveis no local (madeira e pedra).
Pilares e encontros em gaiola (com pedras dentro) feita com árvores perfeitamente encaixadas umas nas outras e com as estacas verticais  fixadoras das vigas do tabuleiro forrado com tábuas.
Não sabemos se esta obra é recente, como é feita de madeira, não deve ter 40 anos !

Além das vigas mestras, já tem travessas em barrotes de madeira serrados e o respectivo tabuleiro em tábuas fixas com pregos !
Já se pode classificar como uma ponte "high tech" !

Estas pontes tem os dias contados, porque vai ser construída  uma estrada moderna de Marrupa a Montepuez, e óbviamente vão construir aqui pontes de betão armado. 





Outra obra de arte, uma ponte de madeira, com um tapete "ecológico" feito de canas de bambu.









 
(foto recolhida na internet)
Outro tipo de construção de pontes em madeira, numa picada de Montepuez em Cabo Delgado.



 A mesma TECNOLOGIA de construção já era utilizada  pelos Sapadores de Infantaria dos Batalhões  que passaram por Mecula.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

As tecnologias construtivas dos antigos Aquartelamentos


Na foto, do ano de 2009, um dos pavilhões do antigo aquartelamento de Mecula, numa fase de recuperação das caixilharias e com uma pintura nova. O brasão na parede é uma marca que o BArt. 3887 deixou em Mecula.

Ao olharmos para estes pavilhões,  podemos reflectir sobre a qualidade de construção destes aquartelamentos e das tecnologias já então aplicadas naquele tempo.
Muitas das vezes em África, também se gastam rios de dinheiro em obras de fachada e cuja utilidade não justifica esses investimentos.
A este propósito vamos teorizar sobre este conceito de engenharia destas construções e criar aqui no blogue porventura alguma polémica; pouco importa , desde que sirva para dar ideias e tentar resolver os problemas das pessoas.

A imagem mostra perfeitamente os pormenores construtivos e permite-nos tecer as seguintes considerações:
Os alicerces constavam de uma plataforma de betão, elevada do chão o suficiente para não haver perigo de inundações na época das chuvas.
Os pilares eram metálicos, de perfis normalizados, onde assentavam as asnas metálicas que recebiam as madres e por sua vez as chapas de cobertura (já com isolamento).
O telhado era maior que o edifício, havia um alpendre coberto, que fazia sombra sobre as paredes para não haver acumulação de calor nos blocos de cimento; ou seja para reduzir ao mínimo a carga térmica do edifício.
Depois havia um tecto falso em todas as divisões.
Como o tecto era ventilado, como se recordam os camaradas, os edifícios eram frescos. O calor que se sentia era derivado do ar quente que entrava pelas portas e não pela radiação e condução do edifício.
As paredes exteriores ligavam os pilares metálicos e as paredes interiores eram as divisórias.
Tudo bem pensado, como se pretendia !
Atenção não confundir: estes edifícios de Mecula são o modelo oposto aquelas "fritadeiras metálicas"do  Candulo e do Chiulézi !
Estas construções de Mecula duram há quarenta anos !
E estão ali em pé para durar muito mais tempo !

Muitos dirão: Que tem isto de especial, para estarmos aqui no blogue a falar de uma construção tão simples...de uma coisa tão óbvia .
Exactamente: por ser simples, barata, fácil de realizar, e de montagem rápida,  é que é muito importante falar dela.
Das coisas simples, dos "ovos de Colombo" e de tudo que pode resolver os problemas das pessoas é de que nos devemos ocupar.
Na data em que escrevemos este post, passaram poucos dias depois do sismo no Haiti. 
Este tipo de construção aligeirado não fazia muitos mortos naquele sismo. É certo que,  aquele telhado ventilado, não seria uma boa solução para os tufões daquela zona do globo, isso levaria a outra conversa.
Agora imaginem estas construções realizadas por uma empresa especializada, com moldes para as portas e janelas e as caixilharias todas normalizadas (modelo standard), e que preços baixos de construção se conseguiam.
Quem tem pouco dinheiro, deve apreender a viver com aquilo que tem ao seu dispor.
Andam em África centenas de ONGs, (com muita boa vontade, diga-se de  verdade...), mas cada um a remar para seu lado... quase em concorrência.... quando a trabalhar de forma integrada e em rede, com a mesma quantidade de dinheiro o que se podia construir !
O meu apelo vai para os ENGENHEIROS sem FRONTEIRAS, que andam por África, para que aproveitem as ideias e o conhecimento e a experiência dos militares que por lá andaram !
Não vale muito a pena tentar inventar de novo a roda; vale a pena sim explorar as ideias antigas,  aplicar agora os novos materiais do século XXI e fazer muita obra com pouco dinheiro !
Pela nossa parte, estamos cá para ajudar !

Os habitantes de Mecula  foram inteligentes, aproveitaram o nosso quartel e deram-lhe uma utilidade para a comunidade local. Bem hajam por isso !

Um texto de:
Ernesto P. Fernandes
Ex-furriel miliciano Sapador do BCaç. 2914